APCEP - Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente
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Alfabetização: E em Portugal?
 
Dia 8 de Setembro era há décadas, o dia internacional da Alfabetização. Em Portugal passou-se a designar a efeméride pelo dia Internacional da Literacia embora os conceitos não sejam coincidentes.
 
Dia 8 de Setembro era há décadas, o dia internacional da Alfabetização. Em Portugal passou-se a designar a efeméride pelo dia Internacional da Literacia embora os conceitos não sejam coincidentes. Em primeiro lugar quando, em Portugal falamos de alfabetização estamos a referir-nos à alfabetização de adultos. Sim, porque em Espanha, por exemplo e mesmo no Brasil, o termo alfabetização ainda remete para a aprendizagem inicial de leitura e da escrita das crianças – e sobre este assunto também teríamos muito a dizer do que infelizmente se vive em Portugal, gerando tanto insucesso escolar! – e não terá a conotação negativa que o termo transporta no nosso país.

Digamos que alfabetização se refere ao processo, à aprendizagem da leitura e da escrita e a literacia ao produto: competência de extrair sentido de um texto escrito necessário ao seu quotidiano. 

Da pedagogia 

Durante o ano que passou, na APCEP (Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente), com gente de todo o país, dos contextos universitários, aos voluntários e até aos políticos, andamos a conhecer o problema e a compreender melhor o que é a realidade portuguesa. Fizemos umas Jornadas no mês de Janeiro com parceiros de todo o país e compreendemos que, para além de (ou incluídos nos) 500 000 analfabetos de que os censos falam, se contam as pessoas, mais idosas, que não aprenderam a ler e a escrever quando a escolaridade obrigatória ainda não tinha criado condições de acesso a todos à escola, mas também outros adultos, inseridos na população ativa ou desempregados que não aprenderam a ler na escola mais recente. Temos ainda os oriundos de países onde a escola não chega a todos – emigrantes e refugiados -, temos em Portugal a população dos ciganos com jovens, homens e mulheres cada vez mais interessados na escolarização, até ao Ensino Superior. Temos também muitos jovens que não desenvolveram a competência literacia nos primeiros anos de escolaridade e, ainda na escola ou já fora dela são um público prioritário a ser alfabetizado. 

Confirmámos também o que já sabíamos e nos foi alertado pelas organizações internacionais e pela investigação nacional e internacional ao longo dos anos, que os processos escolares, organizados para crianças não são adequados à população adulta sabendo que, quando a oferta escolar, com o modelo hegemónico é implementado, os adultos iletrados ou não aderem, ou desistem ou não conseguem aprender.  

Também por essa razão, se considera que o processo não se poderia restringir apenas à alfabetização como é concebida tradicionalmente, correntemente chamada de “juntar as letras” mas deve culminar na aquisição da competência literacia, o que significa ser capaz extrair o sentido de um texto escrito necessário ao seu quotidiano. Atualizando o conceito, passaremos pela literacia digital sabendo que mesmo numa fase mesmo muito inicial de alfabetização é possível o uso do computador (ver o projeto Letras Prá Vida). 

E tal como se concluiu pelo sucesso de aprendizagem dos processos RVCC (Reconhecimento Validação e Certificação de Competências) também aqui a leitura e a escrita se têm de inscrever nesses processos – componente Linguagem e Comunicação – aprendendo as pessoas a escrever sobre as suas vivências e competências, aprofundando novos saberes que pessoalmente necessitem. E como já se verificou, estas formas de aprendizagem não convivem com os modelos escolares tradicionais, tão centradas que são nos modos de apreensão, transmissão e partilha de saberes que as culturas naturais das pessoas desenvolvem numa linha já evidenciada por Piaget.

Das políticas

A Europa não está a dar muita importância aos processos de alfabetização porque ainda anda a pensar que o problema ficou resolvido com a escolarização de massas. E a Europa avança e não tem grandes programas – sobretudo bem financiados - ligados a esta problemática apesar de já em 1992 a OCDE ter chamado a atenção para as dificuldades que o desenvolvimento económico estava a enfrentar nos países mais desenvolvidos (nórdicos, Canadá e EUA…) pela existência de um número significativo dos seus trabalhadores (alguns com 10 anos de escolaridade) que não eram capazes de extrair o sentido de um texto escrito necessário ao seu quotidiano. Tinham uma larga escolaridade mas não tinham desenvolvido a competência Literacia.  O nosso Estudo Nacional da Literacia em Portugal (coordenado por Ana Benavente) revelou que 10,3% dos nossos adultos com idade compreendida entre 15 e 65 anos não conseguiam ler sequer uma palavra (nível 0 de Literacia) e 37% conseguiam perceber pelo menos uma palavra. Quase que metade da nossa população adulta poderia ser considerada analfabeta. 

E o conceito vai evoluindo com as novas necessidades.  Assim, ligado à alfabetização, aprofunda-se agora a necessidade de desenvolvimento da literacia, da literacia digital, da valorização, reconhecimento, aprofundamento, atualização das competências já adquiridas e da resposta a outras necessidades dos grupos, sejam quais forem, sentidas pelas próprias pessoas e pelas comunidades em que se inserem, desenvolvendo-se estas competência de forma interdisciplinar e inseridas em práticas sociais concretas e não de forma disciplinar como na escola se usava fazer.

Diziam ainda estes estudos da OCDE e da UNESCO e, mais recentemente, já no ano 2000 a UE apelando  à Sociedade do Conhecimento, que no contexto atual da sociedade TODOS os saberes são necessários e não apenas os tradicionalmente considerados profissionais. Por isso nas políticas recentes se tem ouvido falar de Educação de Adultos, em geral, como uma necessidade urgente na nossa população. 

As representações são, neste caso infelizmente, difíceis de transformar e, quando se fala de educação remete-se para o que melhor se conhecia, o ensino escolar com os seus modelos tradicionais e, se é de adultos, remete-se para a formação profissional. Todos os outros saberes e formas de aprender não se implementam, recusam-se, por vezes até se destroem, por razões várias umas mais de natureza sociológica outras, por ignorância.

Mas não só a investigação tem produzido conhecimento nestes domínios como as próprias comunidades em que as pessoas se inserem podem ajudar. Como responder, então, a esta problemática, neste contexto?

A democracia tem de chegar à organização da resposta por parte do Estado. Quando se criou a União Europeia houve um Encontro em Bruxelas defendendo que a Europa não deveria ser só de Estados mas deveria ser também dos Cidadãos, remetendo para as Associações.

Foi muito interessante. E aí vem o reconhecimento da Sociedade Civil para dar resposta aos problemas dos cidadãos. Boaventura Sousa Santos chamou-lhe a Sociedade Providência reconhecendo que era mais eficaz na resolução dos problemas das suas pessoas do que o Estado. Etienne Grosjean do Conselho da Europa dizia que, em relação às Associações - a Sociedade Civil - o Estado deveria reconhecer a sua intervenção, na resolução dos problemas das pessoas, financia-las com esse fim e considera-las parceiras na resolução desses problemas.

Alguns autores referem ainda que, para além da eficácia da Sociedade Providência os processos são mais ricos e adequados, e os custos são, de longe, inferiores aos gastos pelas instituições oficiais. 

Em Portugal, perdeu-se este processo de parceria com a sociedade civil, pelo menos no caso da educação de adultos. A sociedade, considera até no seu discurso corrente, que algumas dessas funções pertencem ao estado e, quando as realizam consideram que se estão a substituir ao Estado.

Em 1979 foi feito um Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos (PNAEBA) coordenado por Manuel Lucas Estevão que, após estudos bem direcionados e específicos, articulava a atividade das ofertas públicas (agora os Centros) com a das Associações e grupos locais, que respondia a todo o país com políticas diferenciadas para a diversidade dos grupos, gerindo adequadamente todos os recursos disponíveis. Este Plano Nacional surgiu no seguimento das práticas da Direção-Geral de Educação Permanente, com Alberto Melo, que decidiu precisamente, reconhecer as atividades realizadas pelas Associações – consideradas Associações de Educação Popular – financia-las e considera-las como parceiras principais para a Educação Permanente em cuja perspetiva se inseria a alfabetização dos adultos. 

Diríamos que em 1976 tínhamos um amplo movimento popular, comunitário que “arregaçava” as mangas quando havia algum problema para resolver e, à sua maneira, lhe conseguia dar resposta.  Hoje os tempos são outros mas existem muitas dinâmicas locais, comunitárias, e em vários domínios. Muitos grupos fazem e procuram fazer alfabetização e educação de adultos. Precisam apenas de algum apoio que, se algumas vezes será monetário, outras será no campo da formação, do diálogo e, sobretudo, do reconhecimento. 

Temas ainda muitas instituições de Ensino Superior e, por vezes a nível do ensino secundário, que têm estagiários que podem, de forma bem direcionada, intervir neste domínio. Existe hoje uma malha de cursos superiores complexa que se dedica à educação não formal e informal , numa perspetiva adequada de Educação Permanente.

Refiro-me, entre outras, a licenciaturas em Psicologia Educacional, Animação Socioeducativa e Sociocultural, Ciências da Educação, Educação Social e alguns Mestrados, muitos específicos em Educação de Adultos, Educação e Lazer, Dinâmicas Comunitárias, Desenvolvimento Local.

Faz falta um plano que dê coerência a este movimento e o articule adequadamente. É um direito de cidadania.

Lucília Salgado – APCEP
Jornal da Educação 
11 a 24 de outubro de 2017
 
 
 



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